Escrito pela sul coreana Min Jin Lee, e publicado em fevereiro de 2017, o livro Pachinko retrata a vida de uma família de imigrantes sul coreanos em um período de quatro gerações, que lutam para superar a xenofobia, injustiças, e ganhar seu espaço em um país que rejeita sua humanidade e identidade.
Pachinko tornou-se rapidamente um sucesso de crítica e de público na época do lançamento e foi recomendado por personalidades midiáticas como Barack Obama (ex presidente dos EUA) e Oprah Winfrey (jornalista, apresentadora), o romance foi editado em 30 países e recebeu diversos prêmios literários. Em 2022 foi adaptado para a TV pelo serviço de streaming Apple TV, que com o sucesso da obra, ganhou mais cinco prêmios e renovou a trama para uma 2ª temporada que estreia ainda neste ano de 2024.
A história tem início antes mesmo da personagem principal, Sunja, nascer, acompanhamos a história de seus pais e a forma que superam o preconceito das demais pessoas do vilarejo, e lutaram para ficar juntos. Sunja, cresceu em uma aldeia cercada por amor, conhecia tudo e todos, era amada incondicionalmente por sua mãe, já que o pai, infelizmente,veio a falecer quando ela era mais nova, mas, mesmo que tudo parecesse no seu devido lugar, os acontecimentos da Guerra Sino-japonesa já assombravam o país, os seus conhecidos tinham que pagar absurdos para o imperador do Japão, sobreviviam com o que restava, e viviam com medo das suas crianças serem levadas por soldados.
Tudo começa a complicar na vida de Sunja quando ela conhece um coreano misterioso vindo do Japão, que aparece na vila e que cruza o seu caminho, fazendo assim, a moça desenvolver uma paixão avassaladora pelo viajante. O relacionamento deles acontece de forma rápida, e conseguimos perceber a maneira ingênua da menina de achar que se casaria com o homem, que ao receber a notícia que ela estava grávida, fez uma oferta para que, a mesma, fosse sua amante, pois tinha uma esposa e três filhas no Japão.
“Você quer ver um homem muito mau? Faça um homem ser bem-sucedido além da própria imaginação. Vamos ver quão bom ele é quando pode fazer o que quiser”
A honra da menina que era amada e elogiada por todos da vila, estava em jogo, pois ela tinha engravidado de um homem que não era seu marido, e pior, era casado. Isak Baek, um pastor, que estava de passagem pela vila, e indo em direção ao Japão, se compadece pela história da Sunja e decide se casar com ela e assumir a criança que estava em seu ventre. Decidida a abandonar o lar e rejeitar o verdadeiro pai da criança, a saga de reconhecimento em outro país se inicia, e assim como Sunja, nós leitores nos apaixonamos pela forma genuína que o amor de isak pela sua nova esposa, surge, e a maneira linda que ele nunca deixou de considerar “o filho adotivo” como seu menino de ouro. Um roteiro dramático que se desdobrará em gerações por quase cem anos.
“Ninguém está limpo. Viver te deixa sujo.”
Com tudo, por qual razão o nome do livro é Pachinko? O título do livro faz referência ao “pachinko”, um popular jogo de azar japonês, que é uma mistura de caça-níqueis, fliperama e cassino. O jogo no livro simboliza a vida dos personagens, cheias de incertezas e de altos e baixos. Justamente pelo pachinko ser considerado um negócio sujo e muitas das vezes indigno para os japoneses, os coreanos da época viram no lugar uma oportunidade para sobreviver e ganhar dinheiro, já que não recebiam oportunidade em outros lugares.
“Até mesmo as criaturas mais infelizes desejam viver”
Pachinko passa por todos os percalços que a Coreia viveu, desde a invasão japonesa aos reflexos disso durante a Segunda Guerra Mundial, e então muito além. Além disso, abre as portas para a dura realidade dos Coreanos em meio à discriminação e exclusão da própria humanidade. A falta de pertencimento no país em que sentiram necessidade de ir, mas não eram aceitos pelos japoneses, vistos como escória da sociedade, marginalizados e jogados na sarjeta. A saudade do seu país Natal, a sua pátria-mãe, que também não era mais a mesma, pois foi destruída e tomada da forma mais cruel possível.
Essa é uma leitura envolvente, com personagens carismáticos e ao mesmo tempo odiosos e reais com seus defeitos e virtudes sobressaindo conforme as decisões são tomadas em prol da vida futura. O livro de Min Jin Lee, apesar de trabalhar Sunja e seus descendentes de maneira mais liberta, aponta o preconceito em forma muitas vezes velada, na qual recusar empregar imigrantes pode ser uma coisa banal para quem o faz, mas que deixa claro a falência do caráter humano. O cenário real em meio à guerra tanto interna quanto externa dos personagens nos faz refletir em situações diversas.
“Viver todos os dias na presença daqueles que se recusam a reconhecer sua humanidade exige muita coragem”
As personagens femininas colocando sua voz para defender seus direitos é algo que prezo muito na literatura em geral e Pachinko me permitiu ter vários momentos de vitória contra a submissão da mulher. Mesmo com as divergências da vida, Sunja, a melhor personagem do livro, teve garra para defender a sua família e superar o preconceito escancarado de um país que a rejeitava de um jeito absurdo e cruel.
Pachinko é um livro sofrido, cru e emocional. Um verdadeiro drama familiar, quatro gerações de pura poesia em cada palavra dita. É uma história impactante porque usa fatos históricos para falar sobre uma ficção que poderia facilmente ser real; Se pararmos para refletir que ainda há guerras terríveis acontecendo pelo mundo, que ainda há pátrias sendo invadidas, territórios sendo expatriados, famílias sendo separadas e forçadas a sobreviver em condições desumanas. Pachinko se torna um livro mais real e corajosamente intenso de ser lido, quando o seu “eu” leitor aceitar saber mais da história, e percebe que tudo continua sendo autêntico e marcado para sempre na história. Pachinko não é tão ficção assim.
“A história falhou conosco, mas não importa.”