Uma recente pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou um dado preocupante sobre o estado do Acre: mais de 60 mil jovens são analfabetos. Entre os que possuem alguma escolarização, muitos ainda enfrentam um outro obstáculo, a falta de ocupação. Em 2024, cerca de 30% dos jovens acreanos, com idades entre 15 e 29 anos, integravam o grupo conhecido como “nem-nem”, formado por aqueles que nem estudam e nem trabalham.
Esse fenômeno reflete uma conjuntura complexa que envolve desigualdade social, transformações no mercado de trabalho, ausência de políticas públicas eficazes e mudanças nos interesses e perspectivas da juventude. De acordo com os dados do IBGE, apesar de avanços na educação nos últimos anos, o Acre ainda ocupa o topo do ranking nacional entre os estados com maior percentual de jovens sem ocupação formal ou acesso ao ensino.
A desigualdade racial também se evidencia nesses números. No Brasil, a média de anos de estudo de pessoas brancas é de 10,6 anos, enquanto pessoas pretas ou pardas têm, em média, 9,3 anos de estudo, o que acentua disparidades históricas de acesso à educação e oportunidades.
Entre a informalidade e a internet
Para o professor Emerson, que atua há mais de três décadas na educação, o cenário atual é resultado de múltiplos fatores. Segundo ele, a crescente informalidade e a popularização de novas formas de geração de renda, como o uso das redes sociais, mudaram a forma como os jovens enxergam o trabalho e os estudos.
“Hoje, o jovem precisa tomar decisões. Ele se depara com um mercado formal que oferece um salário mínimo, enquanto, na internet, ele vê possibilidades de retorno financeiro mais rápidos. Isso impacta diretamente na motivação para estudar ou buscar um emprego tradicional”, explica o professor.
De fato, plataformas como o TikTok e atividades digitais têm atraído muitos jovens. Seja por meio de transmissões ao vivo, jogos online ou pequenos negócios informais, uma parcela da juventude tem optado por caminhos fora das instituições convencionais. No entanto, nem todos conseguem obter sucesso, e muitos acabam sem retorno financeiro ou desenvolvimento pessoal, ficando à margem da formalidade.
Consequências no cotidiano
No centro de Rio Branco, cenas cotidianas reforçam os dados da pesquisa. Relatos de pequenos furtos cometidos por adolescentes se tornaram comuns, muitas vezes por impulso ou falta de perspectiva. Um dos episódios citados por frequentadores da região envolve um jovem que tentou furtar um chocolate, mas acabou perdendo a própria bicicleta no processo.
A ausência de referências e a desvalorização da educação são apontadas como fatores centrais para o desinteresse dos jovens. Em muitos casos, pais e responsáveis relatam preocupação com o comportamento dos filhos, que passam noites fora de casa e demonstram desinteresse em trabalhar ou frequentar a escola.
Desafio para o poder público
A dificuldade de atrair a juventude para políticas públicas é uma realidade que também atinge programas federais, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Nos últimos anos, tem sido cada vez mais difícil engajar os mais jovens na realização do exame, considerado porta de entrada para o ensino superior.
Além das mudanças no mundo do trabalho, há também uma transformação nas formas de comunicação. Especialistas apontam que até a linguagem utilizada para dialogar com os jovens precisa ser revista para alcançar melhores resultados nas políticas de educação e empregabilidade.
Perspectivas e caminhos possíveis
Enquanto alguns jovens buscam oportunidades nas redes, outros permanecem à espera de mudanças estruturais que envolvam mais do que apenas promessas. O desafio segue sendo garantir educação de qualidade, políticas de inclusão efetivas e formas de inserção no mercado que dialoguem com a realidade e os anseios da juventude.
Matéria em vídeo produzida pelo repórter João Cardoso, para TV Gazeta.
